DE ANDRÉ PARA SEU AVÔ ROGÉRIO PEREZ

   

 DE ANDRÉ PARA SEU AVÔ ROGÉRIO PEREZ 

Acho que tudo isso aqui causaria repulsa na sua pessoa. 

Toda essa estrutura de lidar com o inevitável, toda essa movimentação em volta de algo natural, lhe traria uma necessidade de afastamento repentina.

E acho que por isso é importante escrever um pouco sobre isso. 

Acho que é essencial que alguém como você tenha esse pequeno lapso de gratidão vindo de alguém que de fato te tem como ídolo. 

Não sou muito afeito a escrever textos que tem um póstumo como foco de interlocução. Mas para você sinto que pela primeira vez isso se faz necessário. 

Rogério Perez. 

A figura que estaria sentada ali naquele banquinho em momentos como esse. Invariavelmente com uma cara que aparenta certa neutralidade. Apesar de em alguns momentos estar destruído emocionalmente em seu interior. 

Esse é o cara que merece ser o alvo interlocutor desse breve texto. 

E ele está sendo escrito por alguém que se compromete a maior parte do tempo para ser minimamente parecido com o que esse homem aparentemente rabugento e carrancudo foi um dia. 

Vô, 

Eu queria te agradecer por você odiar toda essa estrutura de lidar com a morte. 

Eu preciso te falar, mesmo que você não esteja fisicamente mais aqui, da forma como você influência a vida de pessoas que estão nesse local. 

Foi falado ao longo desse dia que você descansou e que em breve estaremos ao seu lado no Reino dos Céus – Graças a Deus. 

Mas eu sei muito bem que você nunca desejaria isso, e nem precisa. 

Eu sei que toda essa questão de uma vida póstuma e de uma promessa de uma dimensão superior depois dessa vida não te atrai. 

Nunca te atraiu. 

Não te atraiu, porque pessoas como você não precisam dessa promessa de algo melhor no futuro, porque viveram intensamente esse mundo. 

Pessoas como você evidentemente permanecem nesse mundo. 

Pessoas como você não morrem como os outros.

A maioria dos seres humanos que conheci são desse outro grupo. Fazem parte daquela legião de pessoas que não se eternizam. São lembradas apenas pelo nome, por uma história engraçada que contavam ou por uma comida que faziam.

Mas você é muito diferente das pessoas desse tipo. E eu uso o artigo ´´é``, porque eu sei que você vive. 

E a maioria das pessoas imagina que estou dizendo isso pelas grandiosas coberturas jornalísticas que você realizou, os furos inacreditáveis nas copas que frequentou ou nas crônicas que vieram a ser escritas depois de jogos, que mesmo que entediantes aos olhos normais, você conseguia torná-los mágicos, de uma forma que só seres humanos muito iluminados conseguem fazer. 

Mas eu não falo por isso. 

Eu falo porque eu tenho pedaços de Rogério Perez em minha personalidade que vão muito além da vontade recorrente de escrever sobre qualquer coisa que passa na minha vida. Inclusive sobre momentos de profunda tristeza. 

Eu falo isso, porque a maior qualidade do meu Tio Gu é a facilidade que ele tem de enxergar as grandes mazelas que contornam seu dia e dia calmo e pacato em São Vicente, e de buscar incessantemente fazer algo em relação a isso, simplesmente pela esperança de seus filhos viverem em mundo melhor no futuro. E isso só pode ter vindo de você. 

Eu falo isso, porque meu tio Bruno tem como principal qualidade a sensibilidade com pessoas que estão a milésimos de quilômetros de distância dele a anos. E como você fazia em suas inúmeras viagens, em uma época com muito menos tecnologia, ele luta todos os dias para manter os laços firmes, apesar de tantos problemas. E isso para mim é muito claro que vem de você. 

Eu falo isso, porque meu pai, esse ser humano fenomenal, luta por essa família, e luta para manter elos e tradições banais para a maioria das famílias que já convivi, de um jeito que eu nunca vi igual. Eu nunca vi alguém depositar tamanho esforço para um encontro semanal aos domingos ou para uma simples foto de um encontro vespertino como ele faz. E isso é claro que vem do seu coração imenso que se esconde por trás desse cavanhaque aterrorizante para quem não te conhece de verdade. 

Eu falo isso, porque as únicas qualidades que eu reconheço em mim, um ser humano indiferente aos olhos da maioria, são provenientes de você vô. 

Tenho um desejo por mudanças, um anseio por conhecer e cuidar e um sarcasmo repleto de ironia único para lidar com algumas situações - como a de um enterro, que só podem ser pedaços de Rogério Perez que ficam nesse plano. 

E por isso eu resolvi escrever isso aqui.

Porque todo esse evento não é para tratar da sua revirada heroica rumo a vida eterna que acontecerá a partir desse momento. 

Para mim, esse evento, é para glorificar a vida de um herói. 

Do meu herói. 

Que vive. 

Inclusive dentro de mim e do meu coração.